*Por Joaquim Francisco de Carvalho
As estatais do sistema elétrico já foram quase todas privatizadas, com resultados opostos aos prometidos quando deixaram de ser estatais.
Em vez de mais baratas, as tarifas para o setor residencial subiram mais de 55%, e as do setor industrial, cerca de 130% acima da inflação —o que provocou a falência de inúmeros estabelecimentos industriais, desempregando centenas de engenheiros e milhares de operários qualificados. Isso contribuiu muito para o processo de desindustrialização do país, que começou no governo Collor e ganhou impulso na era FHC.
À época esperava-se que os empresários investissem em projetos novos, que contribuíssem para expandir a capacidade do sistema elétrico. No entanto, limitaram-se em comprar o que já tinha sido feito pelo Estado, o que representou apenas a cessão de títulos de propriedade, sem que houvesse expansão da capacidade do sistema.
As grandes hidrelétricas com reservatórios de acumulação fazem da Eletrobras uma empresa estratégica.
Até nos Estados Unidos as grandes hidrelétricas pertencem a entidades públicas, como a Tennessee Valley Authority e, principalmente, o US Army Corps of Engineers.
Agora o governo quer privatizar a Eletrobras, sem motivo plausível. É preciso que os governantes entendam que há diferenças entre o espaço privado e o espaço público.
O espaço privado é ocupado por empresas e estabelecimentos industriais, financeiros, comerciais e outros, que tem entre os objetivos gerar lucros.
No espaço público ficam atividades não lucrativas, como a diplomacia, a segurança nacional, o ensino e a pesquisa científica, a saúde pública, o policiamento etc., além de certas “utilities”, vitais para as demais atividades e que são monopolizáveis.
Ora, a energia elétrica é um monopólio natural, do qual depende praticamente tudo. Assim, as tarifas elétricas não devem visar à maximização de lucros, pois influenciam todos os custos da economia e constituem um privilegiado instrumento de arrecadação de parte da renda dos demais setores.
Cerca de 65% da eletricidade consumida no Brasil vêm de usinas hidrelétricas —e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios, ao lado de outras como abastecimento de água, regularização dos rios, navegação etc.
Note-se que, além da manutenção das barragens, todos os usos dos reservatórios requerem importantes despesas permanentes em preservação ambiental. A experiência mostra que investidores privados relutam em fazer tais despesas.
Atualmente, a Eletrobras vem apresentando lucros em torno de R$ 10 bilhões e pagando ao Tesouro, em média, dividendos de R$ 1,1 bilhão por ano. O restante é reinvestido na expansão e no desenvolvimento tecnológico do sistema.
Esses resultados podem melhorar. É preciso, porém, que a Eletrobras se desvencilhe das sempre deletérias influências “políticas” e passe a ser dirigida por profissionais competentes, que trabalhem pela empresa, e não por um obscuro processo da privatização.
As hidrelétricas ainda pertencentes ao grupo Eletrobras (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipu) têm idades em torno de 30 anos; portanto, praticamente todo o capital investido está amortizado. Assim, a energia gerada custa atualmente cerca de R$ 40/MWh.
O grupo Eletrobras responde por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano. Eliminando-se os intermediários não produtivos, essa energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras por uma tarifa de R$ 130/MWh. Portanto, o lucro do grupo Eletrobras poderia chegar a R$ 15,3 bilhões por ano.
Por fim, vale lembrar que uma recente pesquisa de opinião realizada na Inglaterra mostrou que 77% dos consumidores querem que as empresas de eletricidade privatizadas durante a administração Margaret Thatcher sejam reestatizadas.
Suas principais queixas referem-se à baixa qualidade dos serviços e às elevadas tarifas. Críticas semelhantes poderão surgir no Brasil caso a Eletrobras seja privatizada.