A escassez de águas nos rios e reservatórios que alimentam as hidrelétricas traz prenúncio de crise energética no Brasil, neste ano, o que levou ao aumento já anunciado de tarifa e o temor de adoção de medidas de racionamento. Diante desse quadro, o interior cearense vivencia duas realidades distintas: o crescimento na demanda por sistema de energia solar e a permanência de casas ainda sem ligação à rede elétrica, por falta de condições financeiras.
A energia elétrica está universalizada no Ceará desde 2015, ou seja, para todas as casas o acesso está assegurado. Mas, no sertão cearense, nem todas as famílias contam com o conforto porque há impossibilidade financeira para o pagamento dos custos de instalação. E ainda há aqueles que preferem viver à luz de lamparina.
Na localidade de Tanque, zona rural de Iguatu, o agricultor Antônio Antunes vive com a mulher em uma casa de taipa e mantém o lampião e a lamparina para iluminar a moradia quando o sol se põe.Estou acostumado, porque quando era menino e rapaz e morava com meus pais no sítio Cardoso, não tinha energia. Meu filho quer que eu coloque luz e mude até de casa, mas acho aqui tão bom”Antônio AntunesAgricultor
No sítio Chapada do Maracujá, em Campos Sales, no alto sertão sul cearense, dez famílias vivem na escuridão – sem geladeira e televisão. A claridade que ilumina o entorno das moradias é somente em noite de lua ou da lanterna do celular, contrastando uma cena do passado com a modernidade do presente.
ESCURIDÃO
No interior das casas, a velha e boa lamparina reduz a escuridão e a notícia é ouvida no antigo radinho de pilha. Tudo isso em pleno Ceará do ano 2021. A vida de quem não tem acesso à energia elétrica por falta de condições financeiras ainda é uma realidade.
A casa da agricultora de base familiar Maria dos Santos permanece no escuro, refém dos tradicionais, mas necessários, candeeiros e lamparinas. “Comprei um terreno aqui por 4 mil reais e construí minha casinha, mas ainda não deu certo fazer a ligação da energia elétrica”.
As famílias da comunidade realizaram o sonho de voltar a morar na zona rural, distante apenas 2 km da sede urbana de Campos Sales, mas falta realizar o desejo da energia elétrica.
A ausência da energia elétrica faz com que alguns moradores passem o dia em casa de parentes. Nesse tempo de pandemia e de aulas remotas se faz necessário para que os filhos possam ter acesso à internet e ao ensino à distância.
ENERGIA SOLAR
Em contraste, também é possível a quem anda nas cidades do interior observar um componente novo no cenário de muitas casas, ao elevar a vista: o telhado divide espaço com as modernas placas de produção de energia solar. É uma cena urbana que está ficando cada vez mais comum e tende a se espalhar ainda mais.
Entre 2015 e 2020, a geração de energia solar por meio de placas fotovoltaicas apresentou um salto significativo, partindo de 1,3 MW instalados para 379,5 MW, ou seja, em cinco anos, saiu de zero para 8% da matriz energética do Estado.A servidora pública Marlene Sena instalou há três meses 15 placas de energia solar para atender a demanda da casa dela e de duas irmãs. Investiu R$ 27 mil no sistema. “Estou satisfeita e a economia foi em média de 250 reais”, disse. “Ainda estou tendo saldo de energia produzida”
O empresário Kaoma Pereira instalou 20 placas e investiu R$ 30 mil, mas em um modelo de consórcio, parcelando o pagamento em 36 meses. “No décimo mês fui contemplado”, contou. “Pagava 1500 reais e agora a conta caiu para quatrocentos reais”. Ele utiliza a energia para atender a demanda da casa e de um escritório em Iguatu e de um apartamento em Fortaleza.
De acordo com o empresário Leonardo Barreto, que atua no ramo de energia solar na cidade de Iguatu, a demanda vem crescendo em todo o Ceará nos últimos três anos, mas mediante a atual crise que se avizinha, houve um impulso. “Só ontem recebi oito pedidos de orçamento”, frisou. “As pessoas perceberam que a energia está ficando cada vez mais cara”.
Barreto compara que, com o dinheiro da conta de luz atual, é possível pagar parcelas do sistema de placas fotovoltaicas. Empresas locais facilitam a compra a partir da criação de grupos de consórcios, financiamentos próprios com 50% de entrada do orçamento total e há ainda a possibilidade de financiamento bancário com taxa média de juros de 1,5% ao mês.
O servidor público Edmar Borba, morador da cidade de Acopiara, instalou um sistema de 16 placas para gerar cerca de 800 kw/mês com o objetivo de atender duas casas. “A conta de luz tem aumento constante e não há outro caminho a não ser partir para a energia solar”, disse. Ele investiu R$ 21 mil com pagamento a vista e espera retorno em cinco anos. “As duas contas de luz estão em torno de 900 reais por mês”.
Sobre o risco do Ceará enfrentar nos últimos dois meses deste ano uma crise no fornecimento de energia elétrica, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet) informou, por meio de nota, que “o sistema elétrico brasileiro é interligado (SIN), sendo este um sistema complexo devido sua extensão e variedade da matriz energética do País. Por ser interligado, é possível que, em determinado momento de pico de consumo, possa causar falhas e apagões”.
Fonte: Diário do Nordeste