A privatização da Eletrobras pela MP 1031/21, protagonizou um capítulo escandaloso no Congresso Nacional. Sem requisitos de urgência, em sessões tele presenciais, no auge da pandemia, em rito sumário, sem audiências públicas, sem comissão mista e com diversos jabutis para atender a interesses específicos, a duras penas a MP foi aprovada e convertida na Lei 14.182/21.
Agora, pelos trâmites legais, a privatização da Eletrobras está no Tribunal de Contas da União. No TCU, a questão foi dividida em dois grandes acórdãos. O primeiro para nova concessão de 22 usinas hidrelétricas que correspondem a 25% da capacidade instalada de energia hidrelétrica do Brasil. E o segundo para a modelagem da privatização propriamente dita.
Para a última sessão do TCU deste ano, nesta quarta, 15/12, o Ministro Relator Aroldo Cedraz incluiu o primeiro acórdão para nova concessão de outorgas para 22 usinas hidrelétricas.
Há uma forte tentativa de pressão do governo federal sobre todos os ministros do TCU para que o acórdão das outorgas seja aprovado ainda em 2021, para que o cronograma de privatização da Eletrobras não corra riscos de adentrar o processo eleitoral de 2022, com receio de a privatização ser inviabilizada.
O problema é que a documentação das outorgas traz uma série de irregularidades e inconsistências nos números apresentados pelo Ministério de Minas e Energia (MME), pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e pelo Conselho Nacional de Políticas Energéticas (CNPE).
A Seinfra Elétrica – Unidade Técnica do TCU – elaborou relatório e apontou estas falhas no processo de modelagem econômico-financeira da privatização da Eletrobras, projetando um prejuízo ao erário de R$ 16,2 bilhões.
O Ministério Público de Contas do TCU corroborou com os apontamentos e valores identificados pela Seinfra e destacou que o MME desconsiderou futuras fontes de receita para o preço de energia de longo prazo e que a ANEEL não levou em consideração na minuta do contrato de concessão, enviado ao TCU, as contribuições feitas na Consulta Pública nº 48/21, além de ter desrespeitado o prazo legal da mesma, reduzindo-o de 45 dias para 20 dias.
Na Câmara dos Deputados, a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle está atenta. A CFFC editou e aprovou duas PFC’s – Propostas de Fiscalização e Controle, sobre fragilidades da renovação das outorgas/ privatização da Eletrobras. Estes processos serão implementados em conjunto pela Câmara e pelo TCU.
Nestes últimos dias foram juntados ao processo matriz da desestatização da Eletrobras alguns documentos sigilosos, enviados pelo MME, que não constam no relatório do TCU, o que impede o contraditório e a ampla defesa e avaliação da sociedade.
Nesta semana, entidades tradicionalmente favoráveis às privatizações, representantes de grandes consumidores, geradores e comercializadores de energia elétrica ligaram o alerta denunciando que o cálculo das garantias físicas das 22 usinas da Eletrobras realizado para a privatização da estatal tem potencial de prejudicar geradores hidrelétricos e elevar os custos aos consumidores, ao mesmo tempo em que beneficia o governo com maior pagamento de outorga no processo. Eles calculam um ônus de R$ 400 milhões por ano ao consumidor e sugerem que sejam feitos novos cálculos das outorgas antes de o processo avançar no TCU.
Com tantas divergências, o mais prudente seria uma apuração detalhada das inconsistências e irregularidades para que o consumidor comum não pague a conta mais uma vez. Este é o momento de os estudos serem revistos em novas Consultas Públicas pela ANEEL e pelo Ministério de Minas e Energia. Além disso, o TCU pode promover um Diálogo Público trazendo todos os atores envolvidos no processo para que se ouça a sociedade e se busque um denominador comum de onde estão os erros e para que estes possam ser de fato corrigidos.
Mas o que se vê do governo é uma postura contrária, nada republicana: pressionam o TCU publicamente acusando o Tribunal de Contas por atrasar o cronograma da Privatização. Quando na verdade o que se faz na corte até aqui, é zelar pela apuração e pela coisa pública. Proteger o consumidor e o Estado.
A verdade é que o Ministério de Minas e Energia cobra celeridade no processo, mas enviou dados inconsistentes, irregulares, inflados e contestados por técnicos do TCU, por associações de mercado, pelo CNE, pelo Congresso Nacional e pelo MP de Contas. Todos denunciam distorções bilionárias.
O que se escancara é o objetivo do governo de privilegiar um cumprimento de cronograma para privatizar a Eletrobras a qualquer custo, em detrimento do zelo pelos danos que serão causados à sociedade, ao consumidor.
O Tribunal de Contas da União merece respeito, os consumidores merecem respeito e o governo deve responder a todos os questionamentos e fazer todos os ajustes necessários antes de seguir adiante com a renovação das outorgas e a privatização da Eletrobras.
Nós do Coletivo Nacional dos Eletricitários estamos acompanhando o processo de perto, trazendo a público todos os desencontros de contas que o governo tenta passar ladeira adentro, na surdina.
E lutaremos até o fim por apuração ampla dos fatos, por justiça, por responsabilização de todos, seja no campo político ou institucional, que porventura estejam cometendo irregularidades nestas ações.
Como todo processo açodado, a privatização da Eletrobras a qualquer custo, já escondeu muito entulho debaixo do tapete até aqui. Chegou a hora do Brasil conhecer a verdade e a quem tudo isso interessa. À sociedade e ao consumidor já sabemos que não é! Sigamos firmes e atentos!
Reprodução boletim do CNE.