Após as repetidas manifestações do presidente Lula, no sentido de que a bandidagem da privatização da Eletrobras será revista, a direção da empresa busca desesperadamente apoio da oligarquia midiática.
No último dia 23 o jornal O Globo publicou um editorial, provavelmente escrito pela própria direção da Eletrobras, com uma coleção de Fake News, visando reforçar alguns preconceitos tolos em seus cada vez mais escassos leitores.
Como profissionais que militam há décadas no setor elétrico e em homenagem ao debate honesto e baseado em fatos e dados, vamos desmentir alguns dos absurdos desse tosco editorial.
- A reestatização tornaria a empresa um cabide de empregos? Enquanto empresa estatal, a exceção dos cargos da alta administração, TODOS os empregados do grupo Eletrobras eram contratados por CONCURSO PÚBLICO. Já recentemente a empresa, após a privatização, anunciou a contratação de 830 novos funcionários, nenhum deles por concurso, ou seja, 830 cabides de empregos, pagos com o dinheiro do consumidor de energia, para pendurar quem os atuais administradores bem entenderem, inclusive amigos e parentes. Além disso, esses mesmos administradores aumentaram em até 3.700% as próprias remunerações, que em alguns casos passaram de R$ 5.000 para R$ 200.000 mensais!
- A Eletrobras possuía baixa capacidade de investimento? Até 2015 a Eletrobras investia mais de R$ 10 bilhões anuais, após o golpe de 2016, mesmo ano em que Wilson Pinto assumiu a presidência da empresa, esse investimento caiu para menos de R$ 3 bilhões por ano e não foi por falta de capacidade. Nos últimos 4 anos antes da privatização a empresa apresentou lucro de cerca de R$ 40 bilhões foi entregue com R$ 15 bilhões em caixa. A falta de investimento foi uma decisão política dos governos Temer e Bolsonaro, visando justificar a privatização e entregar a empresa com dinheiro em caixa para os novos donos.
- A Eletrobras era vulnerável a interferências políticas? Como empresa pública a Eletrobras tinha como missão a consecução do interesse público. Foi assim, visando o interesse coletivo, que a Eletrobras Pública construiu Itaipu, Tucuruí, Xingó, Belo Monte, e interligou um país continental como o Brasil, garantindo energia para o desenvolvimento e a qualidade de vida das pessoas. Nenhuma empresa privada, se dispôs a fazer isso. Hoje a “interferência” é de outra natureza, sob o comando dos oligarcas do Grupo 3G, a Eletrobras está entregue ao mesmo grupo que causou um rombo de US$ 15 bilhões na KrafHeniz nos EUA e mais de R$ 20 bilhões nas Lojas Americanas, na maior fraude do mercado de capitais da história do país.
- A quantidade de empregados caiu de 26 mil para 12 mil? É verdade, há que se considerar, porém, que dentre esses 26 mil estavam os empregados das seis distribuidoras do Norte e Nordeste que foram privatizadas até 2018. Seja como for, os menos de 12 mil empregados remanescentes no grupo Eletrobras estão absurdamente sobrecarregados. Das grandes empresas de energia elétrica do mundo, a Eletrobras é a que possui a menor relação Trabalhador/MW. Só mesmo por conta do enorme compromisso desses eletricitários e eletricitárias com a segurança energética do país e um pouco de sorte, que não estamos enfrentando apagões por absoluta falta de manutenção nos equipamentos.
- Os salários dos empregados da Eletrobras eram pagos pelo contribuinte? Nunca foram! Os trabalhadores da Eletrobras não eram funcionários públicos, recebiam seus salários do caixa da empresa e, além disso, a Eletrobras nunca foi dependente do tesouro, não dependia de dinheiro público para sua manutenção, muito menos para pagamento de salários. Muito pelo contrário, nos últimos 20 anos a Eletrobras pagou mais de R$ 20 bilhões em dividendos para a União e apenas em um único ano, em 2016, o governo teve que fazer um aporte de R$ 3,6 bilhões na empresa.
- A Eletrobras pública precisava de dinheiro público para investir no setor elétrico? Como dito antes, a Eletrobras não só não precisava de dinheiro público, como ainda pagava dividendos à União e tudo isso vendendo a energia mais barata do país. Desde o ano 2000 a Eletrobras construiu a segunda etapa da UHE Tucuruí, fez a interligação Norte-Sul, construiu Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, Teles Pires e foi pioneira na energia eólica, tudo isso com recurso próprio, sem ter que disputar verbas com saúde, educação ou nenhum outro serviço essencial. Por outro lado, desde a privatização, já houve um leilão de geração e dois de transmissão e a Eletrobras não levou praticamente nada. Está claro que os oligarcas da 3G não querem se arriscar em novos empreendimentos, veem a Eletrobras apenas como uma “vaca leiteira” pagadora de dividendos.
- A Eletrobras vinha perdendo participação no mercado? É verdade que desde o governo Temer, que nomeou o atual presidente da Empresa, Sr. Wilson Pinto, a Eletrobras parou de investir. Isso foi uma decisão política. Mas, de qualquer forma, o fato de mais empresas privadas tomarem coragem de investir no setor elétrico brasileiro não deveria ser uma boa notícia? Logo o Globo se queixando de que uma empresa estatal não estava conseguindo alcançar uma posição dominante no mercado? Pois bem, mesmo sem investir em nenhuma obra nova, a Eletrobras privatizada controla 48% da capacidade de geração hidrelétrica do país, ou seja, uma única empresa privada controla a base do mercado de energia brasileiro. É isso que O Globo chama de “liberdade econômica”?
- A reestatização causaria insegurança jurídica? Não estamos falando aqui de investimentos novos. Não se trata de uma empresa privada que construiu nada de novo, pelo contrário, trata-se de um grupo oligarcas da finança que tomou de assalto um patrimônio que já existia, que pertencia ao estado brasileiro e a todo o povo. Na verdade, a privatização, com seu absurdo mecanismo de descotização, que foi uma gigantesca quebra de contrato. Mais de 80 milhões de consumidores do mercado regulado, que adquiriam energia mais barata das usinas amortizadas da Eletrobras, agora terão que pagar mais caro pela mesma energia, o que vai aumentar ainda mais a conta de luz do pequeno consumidor.
Mas se a reestatização servir para afugentar abutres que queiram rapinar o patrimônio do povo, tanto melhor.
- A privatização foi um sucesso? Apenas para os atuais administradores da empresa. Foi um típico caso de pirataria. Tanto que Wilson Pinto, indicado por Temer e mantido por Bolsonaro, permanece na presidência, além da diretora financeira, Elvira Presta e praticamente todos os outros diretores da empresa. A Senhora Marisete Dadald, que era Secretária Executiva do ministro joalheiro Bento Albuquerque no MME, antes do fim do governo Bolsonaro foi agraciada com um cargo de conselheira de administração. Todas essas figuras, que operaram, em nome do estado, a privatização, se aboletaram na empresa privatizada e aumentaram seus próprios salários, muito além do que seria razoável.
O Senhor Wilson Pinto, que ganhava R$ 56.000, aumentou o próprio salário para R$ 360.000 mensais, sem falar nos bônus. Já os conselheiros, dentre eles a senhora Marisete, que antes ganhavam pouco mais de R$ 5.000 mensais, agora podem receber até R$ 200.000 pra irem a uma reunião mensal. Foi ou não foi uma ação entre amigos?
As chances de reestatização são ínfimas? O presidente Lula disse que recorrerá à justiça para recuperar a influência do estado na Eletrobras, já que a União mantém 43% das ações ordinárias. Ou seja, é uma decisão que cabe ao judiciário e não é papel da Globo tentar influenciar a justiça. A memória da “lava jato” está aí para mostrar o quanto esse comportamento é perigoso.
Já que a reestatização é uma ideia descabida, cabe perguntar se o governo francês, onde o setor elétrico já é praticamente totalmente estatal, teve uma ideia descabida quando resolver fechar o capital da sua EDF? Ou então se os alemães também estão tendo ideias descabidas quando nacionalizam centenas de empresas de energia, água e gás? Ou se os noruegueses, suecos, sul coreanos, canadenses, todos estão presos a ideias descabidas por manterem o setor elétrico basicamente estatal há décadas? Quando será que os EUA, a Meca do liberalismo, vai largar essa ideia descabida e privatizar suas hidrelétricas? Porque o país que prega a privatização mundo a fora mantém mais de 70% de suas hidrelétricas nas mãos do estado?
O Globo deveria, urgentemente, publicar editoriais nas principais economias do mundo, que insistem nessa ideia descabida de considerar energia como questão estratégica e, portanto, de responsabilidade do estado. Estadunidenses, canadenses, europeus, chineses, indianos e sul coreanos, precisam ler os conselhos de O Globo.
Já o Senhor Wilson Pinto e a direção da Eletrobras privatizada, ao invés de gastar dinheiro comprando a mídia, deveriam buscar bons advogados. Terão muito o que explicar.