Por Clarice Ferraz* l Folha de S. Paulo – publicado em 15 de setembro
A escuridão a que milhões de habitantes de São Paulo foram condenados no último dia 31 de agosto é mais uma demonstração da atual fragilidade do setor elétrico brasileiro. O grave episódio evidencia alguns dos sérios desafios que o sistema tem encontrado para garantir a segurança de abastecimento. O setor precisa se adaptar às transformações da demanda, à inserção das fontes de energia eólica e solar e lidar com os impactos das mudanças climáticas. A agenda complexa requer planejamento de curto, médio e longo prazo. Mas não é isso que vemos.
Os recentes, e cada vez mais frequentes, apagões mostram que o festejado excesso de renováveis não traz segurança. No final do dia, quando a energia solar deixa de ser gerada, a carência fica evidente. As usinas hidrelétricas, que deveriam servir como um pilar de segurança, enfrentam níveis extremamente baixos, comprometendo a geração. O problema se agrava com o aumento da demanda por água para irrigação e consumo urbano, colocando ainda mais pressão sobre os recursos hídricos.
A privatização da Eletrobras trouxe uma nova dinâmica. À medida que o mercado livre se expande, aumenta o uso dos reservatórios orientado pela maximização dos lucros. Da mesma forma, o sistema entrega uma tarifa cada dia mais cara, em parte pelo aumento e pela má distribuição dos custos, que incluem balancear uma participação cada vez maior de fontes não despacháveis.
Outra estratégia da nova gestão para gerir seus lucros é a redução acelerada de custos em pessoal, material, serviços etc. A empresa realizou diversos planos de demissão voluntária e reduziu os gastos com a manutenção de subestações e linhas de transmissão. No último dia 8 de agosto, o CEO Ivan Monteiro celebrou o anúncio de uma redução além da meta prevista, destacando o progresso nas iniciativas de corte desde a privatização da empresa.
Os consumidores, no entanto, não têm o que comemorar. Para eles, os resultados “dos ganhos de lucratividade” são vivenciados em apagões. Somente em agosto ocorreram em Salvador, Acre, Roraima e São Paulo, a partir de falhas que se originaram em linhas de transmissão e em subestação de propriedade da Eletrobras. Foram diversos os incidentes ao longo do ano e os impactos sobre a economia são estimados em centenas de milhões de reais —e, por vezes, em perdas de vidas humanas. O recorrente despacho emergencial de usinas termelétricas eleva os custos de geração e, consequentemente, as tarifas.
Para retirar o Brasil do pódio ocupado pelos países com a eletricidade mais cara do mundo e fazer com que deixemos de ser palco de frequentes apagões é crucial que o governo adote uma abordagem integrada que priorize a segurança energética, a complementaridade das fontes e a sustentabilidade dos recursos hídricos. Somente com uma política clara e uma gestão eficiente e coordenada dos reservatórios será possível reverter o atual estado de vulnerabilidade e garantir um futuro sustentável para o setor elétrico, para os consumidores e para o desenvolvimento industrial.
*Economista, é diretora do Instituto Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético)