MP/TCU aponta “pedalada elétrica” na modelagem de privatização da Eletrobras

Empregados da Eletrobras criticam falta de análise do setor elétrico

O Ministério Público do Tribunal de Contas da União (MPTCU) questionou novamente em
seu parecer do segundo processo relativo à privatização da Eletrobras, uma manobra que
pode ser caracterizada como uma pedalada elétrica de R$ 5 bilhões do governo Bolsonaro.
A medida consta na modelagem proposta pelo CNPE para a privatização da Eletrobras e já
havia sido questionada no primeiro relatório do tribunal. Ao analisar a modelagem proposta,
o Ministério Público do TCU aponta uma escolha injustificada do governo para o
cronograma de aporte na Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, que destinará
recursos para amenizar o impacto tarifário da descotização das usinas da Eletrobras.

Estudos apontam que a privatização da Eletrobras provocará grandes aumentos tarifários.
Em publicações anteriores (veja aqui), já demonstramos que o aumento de tarifas pode ser
superior a R$25 bilhões anuais. Esse aumento decorrerá da renovação das concessões das
usinas mais antigas da Eletrobras (descotização) e dos jabutis previstos no Projeto de Lei
14.182/21. A descotização das usinas, medida que causará maior impacto tarifário, está
prevista para ocorrer a partir de 2023, ao longo dos próximos 5 anos. A previsão é que a
descotização ocorra de forma gradual, com a mudança de regime para 20% das usinas a
cada ano. Seus impactos, contudo, serão sentidos durante os 30 anos de vigência das
novas concessões, que se inicia em 2023 e ocorre de forma completa a partir de 2027, ano
em que a descotização se completa. Reproduzimos no quadro abaixo a evolução do
cronograma da descotização e da aplicação de recursos para descontos na tarifa da CDE.

Cumprindo seu papel primordial, e ainda alertando em relatório enviado aos ministros do
tribunal de contas, o MPTCU apontou que o cronograma dos pagamentos à Conta de
Desenvolvimento Energético – CDE estabelecido pelo CNPE, um órgão do governo, não
obedece a uma lógica aritmética. A Lei 14.182 previu a destinação dos recursos para CDE
para que estes sirvam para atenuar a pressão sobre as tarifas de energia elétrica, gerada
pelo processo de descotização, sobre os consumidores do ambiente de contratação
regulado (consumidores residenciais, serviços públicos e pequeno comércio). Portanto, seria
lógico que o cronograma para aplicação desses recursos acompanhasse o processo de
descotização, ou seja, que ambos ocorressem ao mesmo tempo. Em sua manifestação, o
MPTCU reforça o entendimento sobre a irregularidade da manobra proposta pelo CNPE,
ressaltando o descasamento entre o aporte inicial da CDE e os efeitos que tais aportes
deveriam mitigar:

“Em pronunciamento anterior (peça 249), chamamos atenção para a magnitude do aporte a
ser recebido ‘Até trinta dias contados do ato da assinatura dos novos contratos de concessão”
— que, segundo previsões correntes, deve ocorrer em 2022. Destaca-se não apenas a
expressão do aporte inicial, correspondente a 9,5 vezes o valor do pagamento devido no ano
seguinte, como também seu descasamento em relação ao cronograma de descotização,
fenômeno cujos efeitos tais aportes deveriam mitigar’” (veja aqui)

Mas, se o cronograma de aportes à CDE, estabelecido pelo CNPE, apresenta descasamento
em relação ao cronograma da privatização que determinará os impactos tarifários, a que
lógica ele obedece? O cronograma escolhido pelo CNPE foi determinado de acordo com
um cálculo político, que prioriza uma maior utilização dos recursos para reduzir as tarifas de
energia elétrica em ano eleitoral, enquanto seus impactos se darão ao longo do tempo, a
partir de 2023. Isso explica também a grande atenção dedicada pelo governo para a
privatização da Eletrobras. A privatização, além de acenar para o setor financeiro com o
atendimento de sua agenda, daria ao governo federal um mecanismo para amenizar os
aumentos das contas de energia elétrica no ano da eleição

Como agravante, a proposta do CNPE contraria as disposições da Lei 10.438/2002, lei que
cria a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE, alterada pela lei 14.182/21, cuja
redação que trata do montante arrecadado junto à Eletrobras para robustecer o caixa da
CDE passou a ter o seguinte conteúdo:

Art. 13. Fica criada a Conta de Desenvolvimento Energético – CDE visando ao
desenvolvimento energético dos Estados, além dos seguintes objetivos:
(…)
XV – prover recursos para fins de modicidade tarifária no Ambiente de Contratação Regulada
(ACR) por meio de créditos em favor das concessionárias e permissionárias de distribuição de
energia elétrica;
(…) §
1º Os recursos da CDE serão provenientes:
(…)
V – das quotas anuais pagas por concessionárias de geração de energia elétrica cuja obrigação
esteja prevista nos respectivos contratos de concessão de que trata a lei resultante da
conversão da Medida Provisória nº 1.031, de 23 de fevereiro de 2021;
(…)
§ 15. Os recursos de que trata o inciso V do § 1º deste artigo somente poderão ser
destinados à finalidade especificada no inciso XV do caput deste artigo, na forma do § 2º do
art. 4º da lei resultante da conversão da Medida Provisória nº 1.031, de 23 de fevereiro de
2021.

O disposto na Lei 14.182/21 é claro ao colocar que todo o montante de recursos destinado
à CDE pela Eletrobras deve ser necessariamente distribuído às concessionárias “de forma
proporcional aos montantes descontratados em decorrência da alteração do regime de
exploração”. A resolução nº30 do CNPE, portanto, contraria o disposto na lei 14.182/21,
além de contrariar também o que está previsto pelo artigo 13 da Lei 10.438/2002.

Para completar o quadro de ilegalidades, o cronograma previsto pela resolução nº 30 do
CNPE, ao promover um uma distribuição de vantagens e benefícios gratuitos em ano
eleitoral, contraria o previsto no Art. 73 da Lei nº 9.504/97. Essa proibição ocorre porque a
distribuição de vantagens e benefícios gratuitamente em ano eleitoral pode afetar a

igualdade de oportunidades entre candidatos em ano eleitoral. Essa “pedalada elétrica” que
o MME quer promover, que se dá com a antecipação de parte dos recursos destinados a
CDE em ritmo incompatível com a evolução do cronograma de descotização das usinas que
terão suas concessões renovadas, permitirá ao governo auferir dividendos políticos da
privatização em 2022, ao mesmo tempo que cria uma bomba tarifária para 2023.

O ano de 2023 promete ser complicado no setor elétrico. Os reajustes tarifários aplicados
pelas distribuidoras sofrem bastante influência da inflação do ano anterior e, por isso, a
inflação alta de 2022 deve pesar sobre os reajustes de 2023. Além disso, o consumidor
deve começar a pagar mais juros em sua conta de energia elétrica no ano que vem, já que
a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou um empréstimo de R$10,5 bilhões para as
distribuidoras, e esse empréstimo começará a ser pago em 2023. O aumento no preço dos
combustíveis, do gás ao urânio, também deve pesar sobre a conta de energia elétrica. Isso
tudo, somado às incertezas hidrológicas que sempre rondam nosso setor, forma um cenário
nada positivo para o consumidor em 2023.

O adiantamento de R$5 bilhões para a conta da CDE não é apenas uma
“Pedalada Elétrica”, mas também uma bomba relógio. Essa pedalada elétrica, com a
antecipação dos recursos da CDE, agrava o impacto deletério da privatização sobre a
economia a partir de 2023, que se dará sobre um país que já sofre com alto desemprego,
alto endividamento dos cidadãos, e que já possui a 2ª tarifa residencial mais elevada do
mundo, medida pelo método da paridade do poder de compra, de acordo com a
International Energy Agency (IEA).

A péssima gestão de Bolsonaro e, em particular, no Ministério da economia de Paulo
Guedes, tem provocado o aumento da inflação, do desemprego e da pobreza. Tudo isso
deixou o governo cada vez mais pressionado e propenso à adoção de medidas eleitoreiras.
O fato de o MPTCU reiterar a irregularidade do cronograma da CDE proposto pelo governo
é altamente positivo, pois o cronograma de aplicação dos recursos da CDE proposto é, ao
mesmo tempo, prejudicial aos consumidores e uma medida desesperada para obter
vantagens eleitorais. O governo, que já havia ignorado a recomendação nesse sentido feita
pelo TCU no julgamento da 1ª fase do processo de privatização da Eletrobras, agora quer
passar por cima do tribunal impondo seu cronograma a qualquer preço.

A privatização da Eletrobras é, ao mesmo tempo, uma forma de agradar aos setores
financeiros, beneficiando os homens mais ricos do país, e uma forma de criar uma ilusão
efêmera de controle sobre as tarifas do setor elétrico. Mas entidades representativas dos
trabalhadores estão atentas a essas manobras e levarão esses questionamentos as
autoridades competentes. Lutaremos contra todos esses absurdos, com foco principal em
interromper o absurdo maior que é a privatização da Eletrobras.

Reprodução boletim da Associação dos Empregados da Eletrobras – AEEL

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