Fraude no balanço: Eletrobras esconde desvalorização de R$ 2,4 bi da usina de Belo Monte

O processo de privatização da Eletrobras encontra uma série de percalços no caminho. Cada vez que o governo tenta acelerar a engrenagem, surge um novo obstáculo para ameaçar a execução do exíguo cronograma para a operação de capitalização em ano eleitoral. Não bastassem a votação polêmica no TCU e o recente escândalo da usina de Santo Antônio, agora surge um novo elemento nesse caldeirão: o impairment (provisão contábil) escondido da Usina de Belo Monte.

Hoje o balanço da Eletrobras figurou mais uma vez nas páginas da imprensa. O jornal digital de Brasília Poder 360 trouxe uma reportagem detalhada sobre mais um escândalo no balanço da Eletrobras e das subsidiárias: “Eletronorte tenta estancar desvalorização de Belo Monte”. Já o portal Scoop do canal de mercado financeiro TC Mover também repercutiu o caso na notícia “PwC questiona contabilidade da Eletrobras, em reta final para privatização”.

O Canal Escuta Digital do Salve a Energia também tem recebido diversas denúncias desde o início de março, sobre a fraude contábil que omite a desvalorização de Belo Monte.

Para entendermos melhor, é preciso esclarecer que Belo Monte é a quarta maior hidrelétrica do mundo em potência instalada, sendo a maior usina inteiramente brasileira. O empreendimento é gerido pela Sociedade de Propósito Específica (Parceria público Privada) Norte Energia SA (NESA). Na composição acionária de NESA estão Eletrobras Holding (15%) e suas subsidiárias Chesf (15%) e Eletronorte (19,98%). Além de Petros/Funcef, Neoenergia, FIP Amazônia Energia e Autoprodutores.

Isto posto, vamos entender o problema dentro do grupo Eletrobras. Desde 2020 já estava definido o plano de transferência dos 15% de participação de Belo Monte da Eletrobras Holding para a Eletronorte. Nesse caso, para se capitalizar, a Eletronorte deveria vender sua participação em outra Sociedade de Propósito Específico, a transmissora NBTE e utilizar recursos do caixa para comprar a participação de Belo Monte da Eletrobras Holding (15%), estimada até então por valor patrimonial em cerca de R$ 1,9 bilhões.

Nesse sentido, a Eletronorte contratou por licitação a renomada empresa CERES Inteligência Financeira para mensurar o valor (valuation) tanto da NBTE que Eletronorte queria vender, quanto da parte da Holding em Belo Monte que a Eletronorte queria comprar. De forma estranha e altamente suspeita, os estudos de valuation da CERES foram simplesmente descartados, muito provavelmente por terem apontado uma sobreavaliação (desvalorização) considerável no ativo Belo Monte. Depois disso, sem justificativa alguma, a Eletronorte contratou outra consultoria, desssa vez sem licitação, a FMA Partners para fazer a mesma avaliação de Belo Monte, ou seja, contratou duas empresas para o mesmo serviço, ao que tudo indica, porque o resultado da primeira consultoria, apresentou significativa desvalorização da UHE Belo Monte/Norte Energia, o que poderia trazer enormes problemas.

Para levantar mais suspeitas, ao contrário do que aconteceu com a avaliação da participação da Eletrobras Holding em Belo Monte, o valuation da participação da Eletronorte na transmissora NBTE seguiu adiante e a empresa acabou sendo vendida ao fundo de pensão dos professores da província do Ontário, no Canadá por pouco mais de R$ 700 milhões.

O plano inicial de comprar a participação da holding em Belo Monte foi descartado e optou-se por um “contorcionismo financeiro”, uma complicada operação de aumento de capital da Eletronorte para a aquisição dessa participação pelos R$ 1,9 bilhões relativos ao capital social declarado daquela usina. Tentando traduzir: A Eletrobrás Holding capitalizou a Eletronorte para que a Eletronorte comprasse a fatia de Belo Monte da Eletrobras Holding (10%). É estranho, mas é isso mesmo. Parece presente de pai pra filho, mas esse aumento de capital pode ser revertido em qualquer tempo.

O plano de esconder a desvalorização de Belo Monte seria perfeito se ficasse só na “ação entre amigos Eletrobras&Eletronorte”, se o empreendimento não tivesse outros sócios. No entanto, as suspeitas de sobreavaliação da Norte Energia, SPE responsável por Belo Monte, foram enfim confirmadas quando recentemente o grupo Neoenergia, detentor de 10% do empreendimento, informou em suas demonstrações financeiras de 2021 que estava realizando uma baixa contábil de R$ 482 milhões em sua participação de Belo Monte. Esse impairment (desvalorização) da Neoenergia foi feito justamente por ocasião de um processo de venda dessa participação para outro grupo.

As normas contábeis são claras. Toda vez que houver indícios de que ocorreu a desvalorização de um ativo, a empresa precisa fazer um “teste de impairment” no mesmo. É óbvio que um resultado de uma consultoria contratada especialmente para fazer essa avaliação e o reconhecimento de uma desvalorização de 36% no ativo, por parte de um dos sócios é um indicativo mais do que suficiente de que é preciso proceder a reavaliação da parte das empresas do grupo Eletrobras em Belo Monte.

Mas afinal, por que carga d’águas a Eletronorte e a Eletrobras se recusam a reavaliar Belo Monte? A resposta é simples, direta e objetiva: Privatização.

Se a Eletrobras Holding e suas subsidiárias aplicassem a mesma metodologia que a sócia, Neoenergia aplicou, seria necessário reconhecer uma baixa contábil de nada mais nada menos que R$ 2,4 bilhões no ativo Belo Monte. Essa baixa entraria como prejuízo e reduziria o lucro da Eletrobras Holding no balanço de referência da privatização. Qualquer maquiagem contábil deve ser execrada, denunciada e corrigida contra qualquer justificativa, nenhum fim justificaria este meio. Só que o mais imoral dessa história é que a Eletrobras, nesse balanço de 2021, não busca por exemplo, maximizar o lucro para fazer novos investimentos em Geração e Transmissão, muito menos para manter os benefícios de seus empregados, os únicos responsáveis por esse resultado, mas sim para pagar a conta da privatização.

É isso mesmo que vocês estão lendo. A Eletrobras precisa pagar à vista R$ 25,5 bilhões de bônus de outorga à União para ser privatizada, além disso, precisa aportar ainda esse ano mais R$ 5 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Como o mercado não está nada favorável e como o candidato favorito na disputa presidencial já avisou que vai reestatizar a Eletrobras, a direção irresponsável da Eletrobras quer usar os próprios recursos para financiar a privatização.

Trazendo para o português claro: Belo Monte é mais um caso de manobra contábil para inflar os resultados da Eletrobras e para que a estatal possa financiar a sua própria privatização!

Além de imoral, toda essa rocambolesca manobra contábil é fraudulenta. Como vimos sempre denunciando, aqueles que querem privatizar a Eletrobras não tem limites e nós do CNE vamos cobrar as devidas explicações aos conselhos e diretorias de Eletrobras, Eletronorte, Chesf e Belo Monte (Norte Energia).

É preciso mais uma vez chamar a atenção das auditorias independentes. Já mencionamos em outros boletins que histórias assim não terminaram bem. Portanto, aos auditores da Ernst & Young responsáveis pelas demonstrações financeiras da Norte Energia Belo Monte e aos auditores independentes da PricewaterhouseCoopers (PwC) que avalizam as de Eletronorte, Eletrobras Holding e Chesf, não digam que não foram avisados. Vocês sabem do impairment de Belo Monte feito pela NeoEnergia e sabem as conseqüências de omitir isso nos balanços que vocês auditam.

Absolutamente todas as suspeitas de fraude e irregularidades serão denunciadas. Não pensem os gestores da Eletrobras e das subsidiárias que estão acima da lei, do bem e do mal. Reafirmamos que não se garantam cegamente no seguro D&O. Ele abrange somente os atos de gestão praticados pelo administrador, mas não é blindagem para atos ilegais ou salvo-conduto de dolo, não alivia gestão pública temerária como ato de improbidade administrativa.

Este episódio está sendo formatado e/ou traduzido para ser devidamente denunciado para a Comissão de Valores Mobiliários, a Comissão de Ética Pública, o Canal de Denúncias Patrimoniais da PGFN e da RFB, o Ministério Público Federal, o Tribunal de Contas da União, a Controladoria Geral da União, o Conselho Federal e Conselhos Regionais (RJ, MG e SP) de Contabilidade, a Securities and Exchange Commission (SEC), o Government Accountability Office (GAO-USA), o National Office at PwC (USA), o American Institute of Certified Public Accountants (AICPA) e o Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB).

Se vocês, vendilhões de plantão que dirigem a Eletrobras, não tem limites para prosseguir com a entrega da maior empresa de energia elétrica da América Latina para o setor privado, não esperem alívio do Coletivo Nacional dos Eletricitários. Aqui todo mundo é adulto e sabe muito bem o que faz e o que não faz com os seus CPFs. Prosseguiremos denunciado tudo em busca obstinada de justiça e reparação. O tempo de vocês está cada vez mais exíguo e cada semana que passa, surge um novo escândalo, um novo incêndio para apagar. É bom que vocês saibam que isso é só o começo.

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