‘Musa das privatizações’ ataca Lula para defender Lemann e amigos no comando da Eletrobras

Em defesa dos acionistas privados, Elena Landau quer que o STF recuse ação de cláusula que limita poder de voto da União. Reprodução RBA

Bastou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar uma das cláusulas da lei que privatizou a Eletrobras para representantes do mercado financeiro soarem os tambores da guerra. A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou na última sexta-feira (5) ação que contesta um dispositivo que amarra as mãos do governo. Apesar de deter cerca de 43% das ações ordinárias da empresa, a privatização limitou o poder de voto para 10% independentemente da participação na empresa – o que vale também para os grupos privados.

Em defesa dos próprios interesses, grandes bancos de investimento já reagiram. O Credit Suisse, por exemplo, afirmou que a disputa judicial “não é boa para o setor nem para o mercado”. O banco suíço é bom no faça ou que eu digo, mas não o que eu faço. Porque entrou em bancarrota há dois meses, após apresentar “fraqueza material” em seus balanços. Para evitar a falência, foi comprado pelo rival UBS, numa transação que teve aporte de US$ 280 bilhões do governo e do BC da Suíça.

O BTG Pactual também afirmou que “remover o limite de 10% dos votos daria a ele poder suficiente para ditar as regras na Eletrobras – o que seria exatamente o oposto do motivo pelo qual os investidores optaram por participar”.

Reação mais contundente, no entanto, partiu da economista Elena Landau. Em entrevista a O Estado de S. Paulo – do qual é também colunista regular – ela afirmou que Lula “destrói o patrimônio público” no embate com a Eletrobras. Nesse sentido, classifica a privatização da Eletrobras como um ato “super perfeito do ponto de vista jurídico”.

‘Musa’ das privatizações

Como nos anos 1990, quando ficou conhecida como “a musa das privatizações“, Elena bateu o martelo: disse que cabe ao STF “devolver” a ação da AGU. “Sou muito radical nesse ponto para garantir a segurança jurídica no País”, justificou.

Mais recentemente, Elena Landau participou da equipe econômica da candidatura presidencial da então senadora Simone Tebet (MDB-MT) – atual ministra do governo Lula. Anteriormente, Em 2017, durante o governo Temer, foi eleita presidenta do Conselho de Administração da própria Eletrobras, mas renunciou após dois meses, alegando “razões pessoais”.

Mas a economista ficou conhecida na década de 1990, quando no BNDES foi responsável pelo Programa Nacional de Desestatização, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Ao lado do então ministro do Planejamento José Serra, Elena participou das privatizações da Telebras e da Vale do Rio Doce, dentre entras estatais que foram vendidas a preço de banana na ocasião.

A Telebras foi vendida por R$ 22 bilhões. O ágio em relação ao preço mínimo foi de 60%, mas à época calculava-se que o negócio não poderia sair por menos que R$ 70 bilhões. O Brasil vendeu o futuro digital pelo preço do passado analógico subfaturado, e hoje tem uma das tarifas de telefonia mais altas do mundo. O mercado agradeceu.

A Vale foi repassada ao capital privado pela bagatela de R$ 3,3 bilhões, equivalente ao lucro semestral da empresa à época. A transação ainda contou com financiamento subsidiado pelo próprio governo.

Elena deixou o BNDES e foi trabalhar para o mercado, primeiro como economista, depois como advogada. Foi reconhecida pela edição latino-americana da revista Chambers and Partners, publicação especializada em direito empresarial, como uma das principais advogadas brasileiras por sua atuação na área de regulação… do setor elétrico.

Eletrobras rifada

A oferta de ações que resultou na privatização da Eletrobras, em julho do ano passado, movimentou cerca de R$ 33,7 bilhões. A 3G Radar ficou como o maior acionista preferencial, com 10,88% das ações preferenciais. A gestora é ligada à 3G Capital, dos bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sucupira e Marcel Telles. O negócio contou com o aval da empresa de consultoria PwC. A mesma que auditava os balanços da Americanas, mas não detectou rombo de R$ 20 bilhões na empresa, também controlada pelo trio de bilionários.

De acordo com o relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), a privatização da Eletrobras resultou em perdas para os cofres públicos de pelo menos R$ 63 bilhões.

Com o pretexto de sempre, os defensores do negócio alegavam que a privatização da Eletrobras faria cair o preço da gasolina. Tratava-se, no entanto, de mais uma armadilha. Isso porque o processo de abertura de capital da estatal previu aporte de R$ 5 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). O recurso será utilizado justamente para mitigar os efeitos da privatização nas tarifas.

Outra armadilha é a chamada poison pill – pílula do veneno –, incluída no contrato de privatização da Eletrobras. A cláusula estabelece que, caso o governo queira reestatizar a empresa, terá de pagar o triplo do valor das ações na maior cotação dos últimos dois anos. “Foi feita quase que uma bandidagem para que o governo não volte a adquirir maioria na Eletrobras”, denunciou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em entrevista recente a profissionais da mídia independente.

Como assim?

Depois de assessorar a campanha de Tebet, Elena Landau assinou a Carta aos Brasileiros pela Democracia e declarou voto em Lula no segundo turno. Mas, ao que parece, a defesa da democracia vai até a página dois. E Elena já defende, em 2026, o programa derrotado em 2022, já que o atual governo foi eleito deixando claro que a privatização da Eletrobras foi “bandidagem”.

Como observou a presidenta do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, a Eletrobras foi privatizada por preço baixo. E o Estado ficou com 43% das ações, mas 10% de mando. “Segurança jurídica não pode ser invocada pra dar cobertura a sacanagem. Tá certo o presidente Lula! Tem de reaver a Eletrobras”, disse Gleisi em seu perfil no Twitter.

Por Tiago Pereira, da Rede Brasil Atual – Publicado em 9 de maio de 2023.

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