O apagão nacional revela a anarquia do mercado

Wilson Pinto Junior, no apagar das luzes, sangra o caixa da Eletrobras e prejudica a nova direção

Por Movimento dos Atingidos por Barragens l Publicado em 16 de agosto de 2023.

Na última terça-feira 15, às 8h31, houve uma ocorrência no Sistema Interligado Nacional (SIN), que levou a queda de energia em 25 estados e no Distrito Federal. De acordo com nota informativa do Operador Nacional do Sistema (ONS), o abastecimento foi 100% recomposto às 14h49.

Passadas mais de 24 horas após o apagão, o ONS, que é a entidade responsável pelo sistema de operação das usinas e linhas de transmissão, não emitiu nenhum documento de explicação das causas do desligamento nacional.

Tanto o apagão, quanto a total ausência de transparência dos acontecimentos, só confirma que reina a anarquia do mercado neste setor estratégico.

Diante destes fatos, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apresenta a sua posição: 

O APAGÃO DE ONTEM NÃO FOI POR ESCASSEZ ENERGIA NO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL 

As evidências mostram que existe sobra de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN). Temos, hoje, cerca de 195.000 MW de potência instalada no SIN e mais 23.000 MW de Geração Distribuída (principalmente solar). Na prática, há algo em torno de 110.000 MW de usinas hidráulicas para a operação; 26.600 de eólicas; 46.400 de térmicas; 2.000 de nuclear; e 33.400 de solar.  O fato é que se considerar o fator de capacidade real de cada fonte, temos mais de 110.000 MW médios, e o país consome menos de 72.500 MW médios. Os dados do ONS indicam que os reservatórios das hidrelétricas estão com 82,4% de água, uma das melhores situações da história, e muitas turbinas estão sendo desligadas frequentemente para não ocasionar excesso de energia no Sistema Interligado. O que podemos afirmar que temos capacidade instalada suficiente. Tem-se até uma grande ociosidade de usinas por excesso de capacidade. 

O APAGÃO NÃO FOI POR EXCESSO DE DEMANDA NO SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL

A “carga” no sistema está dentro dos limites históricos e recentes. Não houve oscilação do consumo que justifique a queda no fornecimento.  O consumo nacional de energia elétrica segue trajetória normal. Se analisar o histórico dos últimos anos, verifica-se que em 2015 o país teve uma geração de eletricidade no SIN de cerca de 65.000 MW médios, e foi suficiente para abastecer todo país.  Em 2022, tivemos cerca de 70.000 MW médios. E nestes 225 dias de 2023, o ONS indica que a geração está em 72.670 MW médios. E em nenhum momento houve apagões por excesso de carga no sistema. Tal produção sempre deu conta do consumo nacional. 

Se analisarmos o ano de 2023, pode-se constatar que a “Carga Máxima” histórica no sistema aconteceu no dia 14 de fevereiro: 97.371 MW médios. No dia 14, anterior ao apagão, os dados do IPDO revelam que a geração verificada foi de 71.088 MW médios e, neste mesmo dia, a “Demanda Máxima” aconteceu às 18 horas e 46 minutos, com uma carga de 82.879 MW médios. No dia do apagão (15), exatamente às 08h30min da manhã (momento da queda) a carga estava em 73.600 MW médios, situação normal para este horário. Portanto, muito abaixo daquilo que em dias anteriores o sistema suportou sem causar nenhum problema. O apagão não aconteceu por excesso de carga no sistema, o sistema já passou por situações piores, com demanda de 30% superior, e suportou sem causar quedas de energia. 

A HIPÓTESE PROVÁVEL É QUE A QUEDA FOI CAUSADA POR “OSCILAÇÃO DE GERAÇÃO”, EM FUNÇÃO DA ENTRADA DE ENERGIA DE FONTES NÃO CONTROLADAS, COMO FOTOVOLTAICA E EÓLICA. OS ACONTECIMENTOS ESTÃO LIGADOS AO SISTEMA DE OPERAÇÃO DAS USINAS, QUE ESTÁ SOB A ANARQUIA DO MERCADO. 

Os dados indicam que na região Nordeste às 05h30min da manhã do dia (15), iniciava-se a geração solar que era de 25 MW médios. Às 08h27min, minutos antes da queda, já eram 5.157 MW médios e as eólicas da região estavam produzindo mais 16.300 MW médios.  No mesmo momento, o NE tinha uma carga de 11.850 MW médios. O excesso de energia que estava sendo produzido na região era exportado para outras regiões. Procedimento normal no setor elétrico. Os dados indicam que neste horário o nordeste estava exportando 12.200 MW médios, principalmente para o sudeste. O fato que neste horário, de início da manhã, é o momento que entra todas as usinas fotovoltaicas centralizadas e as de Geração Distribuída (GD), tanto do Nordeste como em outras regiões. Atualmente temos mais de 33.000 MW de fotovoltaica, dois terços de GD sem nenhum controle. E ainda tem as eólicas operando e oscilando. Ao mesmo tempo em que tem a rápida entrada das solares, tem a necessidade de ir desligando determinadas hidrelétricas para evitar excesso de energia nas linhas. Tudo isso causa uma enorme e crescente dificuldade para operação adequada, porque cada usina e cada trecho de linhas de transmissão virou um negócio particular de cada empresário. O setor não tem mais uma liderança estatal que coordene e lidere. O setor está sob a dominação dos agentes privados.

A única empresa estatal (Eletrobrás) que vinha cumprindo um papel estratégico foi privatizada, promoveu recentemente demissões em massa de trabalhadores e passou a operar suas estruturas com reduzida força de trabalho, principalmente em função da logica rentista.

O fato é que a operação do setor elétrico está sob a “anarquia do mercado”. A situação é grave, porque este modelo de mercado já tinha transformado os preços e tarifas da energia elétrica nas mais altas do mundo e agora estão causando apagões nacionais. Após a privatização da Eletrobrás o governo perdeu totalmente o controle. Atualmente o Planejamento, a Coordenação e a Operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica estão sob governança de um organismo privado (ons.org.br). O ONS é uma “pessoa jurídica de direito privado” que está sob domínio dos agentes empresariais de “geração, transmissão, distribuição, consumidores livres, importadores e exportadores de energia”. E o Governo tem participação periférica. O que está acontecendo é resultado da completa destruição da segurança e soberania neste setor. Essa é a realidade que precisa ser confrontada para evitar novos apagões e chantagens do “mercado”.

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