Anualmente, as companhias listadas nas bolsas norte-americana devem publicar na “CVM dos Estados Unidos”, a SEC (Securities and Exchange Commission), um relatório padronizado que traz um panorama dos negócios, resultados financeiros e operacionais, fatores de risco e o andamento dos investimentos e projetos. É o famoso relatório 20-F, ansiosamente aguardado pelos acionistas minoritários estrangeiros.
A Eletrobras, que tem ações listadas na bolsa de Nova York, publicou em 10/05/2021 o seu 20-F1, repleto de informações surpreendentes, curiosamente escondidas dos seus acionistas brasileiros e da população em geral. Vamos aos exemplos:
Ao citar a privatização, objeto da Medida Provisória 1.031/2021, a Eletrobras admite que não pode prever os impactos operacionais e financeiros do projeto:
“We cannot predict the financial and operational impacts of the privatization bill proposed by the Brazilian Government” (1)
E continua afirmando que no caso da privatização, seguida da descotização de suas usinas, a companhia deixará de receber as receitas da GAG Melhoria, o que afetará adversamente o fluxo de caixa, condições financeiras e resultados de suas operações:
“In addition, both Bill No. 5,877/2019 and Provisional Measure No. 1,031, which relate to our proposed privatization, contemplate the loss of entitlement (descotização) of our plants extended by Law No. 12,783/13. If loss of entitlement (descotização) occurs, the commercialization regime for these concessions will be changed to independent production (produção independente) and we will lose our entitlement to receive the GAG Melhoria. In 2018, 2019, and 2020 we received R$0.5 billion, R$1 billion, and R$1.3 billion, respectively, in payments related to the GAG Melhoria. If we do not continue to receive these payments, our cash flows, financial condition and results of operations may be adversely affected.” (2)
O documento lembra, também, que a Eletrobras privada não mais transacionará a energia de Itaipu:
“In addition, if the Eletrobras privatization proposal is approved, we will not continue to trade energy from Itaipu.” (3)
E ressalta um importante risco no fato das subsidiárias Itaipu e Eletronuclear serem segregadas da nova Eletrobras privada, o que causaria perdas dos ativos e da geração de 9.000 MW, podendo resultar na inadimplência de vários financiamentos junto aos seus credores:
“The bill for our privatization provides that our subsidiaries Itaipu and Eletronuclear must be segregated from us and, depending on the segregation model, we may lose revenues from these assets and about 9,000 MW, equivalent to 17.7% of our installed capacity. This may result in events of default under various financing arrangements with our creditors.” (4)
O 20-F confirma que a descotização, especialmente de Tucuruí, provocará a revisão e redução da garantia física da usina e, consequentemente, impactos negativos nas condições financeiras e resultados operacionais:
“Specifically in the case of Provisional Measure No. 1,031, in addition to the plants renewed by Law No. 12,783/13, the Provisional Measure No. 1,031 also included the HPP Tucuruí to be granted with a new concession agreement with a tenor of 30 years. We cannot assure whether this process of loss of entitlement (descotização) and granting of a new concession agreement to HPP Tucuruí would cause an adverse revision of the physical guarantees and, thus, negatively impact our financial condition and results of operations.” (5)
O texto aponta que ainda que convertida em lei, a Medida Provisória 1.031/2021 poderá ser ainda avaliada pelos órgãos de controle como TCU, MPF e pelo judiciário:
“The Provisional Measure is still under discussion by the Brazilian Congress and, if converted into law, may also undergo scrutiny by external control entities, such as the Brazilian Federal Court of Accounts (TCU), Public Prosecutor’s Office and the Judiciary. We cannot assure you that privatization will continue as described above and we have no control over the timeline for its approval or potential implementation.” (6)
Por fim, o relatório 20-F aos acionistas estrangeiros relata que a Eletrobras não pode prever as consequências financeiras e operacionais da diluição de capital proposta na Medida Provisória 1.031/2021 relativa a sua privatização. E vai além ao afirmar não poder garantir que os termos apresentados de renovação sejam atrativos para a empresa e que a privatização pode resultar em um menor suporte do governo à companhia. Sem contar a possibilidade de aumento dos custos de capital de terceiros pelo fato da União deter menos de 50% das ações, o que caracterizaria possiblidade de inadimplência.
“We cannot predict the financial and operational consequences of the proposed capital dilution. We also cannot guarantee that the terms to be presented for renewal will be attractive for us, or that our Board of Directors will accept such terms. Additionally, our privatization could distract our management and result in less government support for us. Certain groups could challenge the proposal, which could lead to time-consuming political and legal issues for us. It could also increase our debt costs (due to the possibility that the Brazilian Government would control less than 50% of our common shares) and could constitute an event of default under our loans, which, if not waived, could allow certain of our creditors to accelerate the debt.” (7)
Em resumo, a Administração da Eletrobras assume ao regulador norte-americano que a privatização da companhia traz muitos riscos nocivos nos aspectos financeiros e operacionais.
Tais informações não surpreendem a AESEL, que há muito tempo vem alertando à sociedade para as consequências de uma eventual privatização da maior e principal empresa do setor elétrico brasileiro.
O que nos chama atenção é o fato das autoridades brasileiras esconderem propositadamente tais informações do parlamento e da população brasileira, já que as preocupações expostas à SEC jamais foram levadas à sociedade e ao parlamento brasileiro.
Por isso perguntamos: qual o interesse nessa diferença de discurso? Por que americanos merecem a verdade e brasileiros a mentira?
Nota Técnica n°08. Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras – AESEL.
Brasília, 17 de maio de 2021.
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Tradução:
(1) “Não podemos prever os impactos financeiros e operacionais do projeto de lei de privatização proposto pelo governo brasileiro”.
(2) “Além disso, tanto o Projeto de Lei nº 5.877 / 2019 quanto a Medida Provisória nº 1.031, que se referem à nossa proposta de privatização, contemplam a perda do direito (descotização) de nossas usinas ampliada pela Lei nº 12.783 / 13. Se ocorrer perda de direito (descotização), o regime de comercialização dessas concessões será alterado para produção independente (produção independente) e perderemos nosso direito de receber o GAG Melhoria. Em 2018, 2019 e 2020 recebemos R $ 0,5 bilhão, R $ 1 bilhão e R $ 1,3 bilhão, respectivamente, em pagamentos relacionados ao GAG Melhoria. Se não continuarmos a receber esses pagamentos, nossos fluxos de caixa, condição financeira e resultados operacionais podem ser adversamente afetados.”
(3) “Além disso, se a proposta de privatização da Eletrobras for aprovada, não continuaremos a comercializar a energia de Itaipu.”
(4) “O projeto de lei para a nossa privatização prevê que nossas subsidiárias Itaipu e Eletronuclear devem ser separadas de nós e, dependendo do modelo de segregação, podemos perder as receitas desses ativos e cerca de 9.000 MW, o equivalente a 17,7% da nossa capacidade instalada. Isso pode resultar em eventos de inadimplência em vários acordos de financiamento com nossos credores.”
(5) “Especificamente no caso da Medida Provisória nº 1.031, além das usinas renovadas pela Lei nº 12.783 / 13, a Medida Provisória nº 1.031 também incluiu a UHE Tucuruí a ser outorgada com um novo contrato de concessão com prazo de 30 anos . Não podemos garantir se este processo de perda de titularidade (descotização) e outorga de um novo contrato de concessão para a UHE Tucuruí não causaria uma revisão adversa das garantias físicas e, assim, impactaria negativamente nossa condição financeira e resultados operacionais.”
(6) “A Medida Provisória ainda está em discussão no Congresso Nacional e, se convertida em lei, também poderá ser submetida a fiscalização por órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público e Judiciário. Não podemos garantir que a privatização continuará conforme descrito acima e não temos controle sobre o cronograma para sua aprovação ou implementação potencial.”
(7) “Não podemos prever as consequências financeiras e operacionais da diluição de capital proposta. Também não podemos garantir que os termos a serem apresentados para renovação serão atraentes para nós, ou que nosso Conselho de Administração aceitará tais termos. Além disso, nossa privatização poderia distrair nossa administração e resultar em menos apoio governamental para nós. Certos grupos podem contestar a proposta, o que pode nos levar a questões políticas e jurídicas demoradas. Também poderia aumentar nossos custos de dívida (devido à possibilidade de que o governo brasileiro controlaria menos de 50% de nossas ações ordinárias) e poderia constituir um evento de inadimplemento de nossos empréstimos, que, se não fosse perdoado, poderia permitir que alguns de nossos credores exigissem a antecipação do pagamento da dívida.”
Obs: A tradução não consta da nota da AESEL.
Reprodução Instituto Ilumina