Sobre o processo de privatização da Eletrobras, em nota (na íntegra, abaixo), a AEEL – Associação dos Empregados da Eletrobras – denuncia que o CNPE – Conselho Nacional de Política Energética – manipulou parâmetros para determinar o valor do aumento de capital, reduzindo potencial de arrecadação da operação e beneficiando potenciais novos investidores.
Os empregados consideram que a sociedade brasileira precisa saber que “ou o Parlamento aprovou a privatização da Eletrobras sem saber o valor dos ativos da empresa, pois esta informação só seria disponibilizada após a conclusão dos estudos do BNDES que sequer estavam contratados, ou as premissas foram manipuladas, causando prejuízo aos cofres públicos e para os acionistas da Eletrobras”.
As manipulações nos cálculos demonstradas na nota ferem os artigos 70 e 71 da Constituição, pois constituem atos lesivos ao erário com uma renúncia exorbitante de receita pela União.
Dessa forma, a AEEL considera ser urgente que TCU avalie as premissas econômico-financeiras adotadas no processo de valoração das outorgas para capitalização da Eletrobras, exigindo que o TCU – Tribunal de Contas da União – reveja os erros de cálculo no processo de determinação do valor da outorga, “na tentativa de evitar que o processo de privatização da Eletrobras tenha continuidade com mais esses erros, que podem ser classificados como atos de improbidade administrativa e lesão ao patrimônio público”.
Abaixo, íntegra da nota da AEEL – Associação dos Empregados da Eletrobras
“Conta de Chegada” para privatização da Eletrobras
O CNPE – Conselho Nacional de Política Energética – manipulou parâmetros para determinar o valor do aumento de capital, reduzindo potencial de arrecadação da operação e beneficiando potenciais novos investidores.
Em contabilidade, a manobra contábil na qual se faz a conta de trás para frente, de forma a se chegar artificialmente ao resultado desejado, é conhecida como “conta de chegada”.
A conta de chegada é, portanto, uma manipulação do resultado final, a partir da adoção de parâmetros incorretos.
Esse foi o artifício usado nas contas da privatização da Eletrobras. Mesmo sem ter acesso aos estudos, guardados a sete chaves pelo CNPE, os poucos dados divulgados já indicam uma manobra grosseira para alteração dos resultados.
É bom lembrar que os cofres públicos e o povo brasileiro, dono da Eletrobras e seu principal acionista, é que estão sendo lesados com essa subestimação dos resultados.
Manobra 1: Extensão das Outorgas
O artigo 5º da lei de desestatização da Eletrobras, Lei 14.182 de 12 de julho de 2021, determina o CNPE como o responsável por estabelecer o valor adicionado pelos novos contratos de geração de energia elétrica.
O valor adicionado é definido como o valor gerado pelo novo regime de comercialização de energia e o regime atualmente vigente ao longo da vigência das novas outorgas de concessões (próximos 30 anos) a valores de hoje.
Além disso, considera também o valor presente líquido (VPL) do fluxo de caixa operacional a preços de hoje gerado pelas usinas que não estão no regime de cotas, cujos contratos de concessão estão próximos do vencimento, casos das UHEs de Sobradinho, Itumbiara, Tucuruí e UHE Mascarenhas de Moraes.
Neste contexto, o valor adicionado é o valor presente líquido do fluxo gerado para os próximos 30 anos descontados pelo custo de capital (taxa de desconto).
A resolução nº 45 do CNPE fixou em R$ 62,5 bilhões como valor de outorga. No entanto, este cálculo não considera a resolução homologatória da ANEEL nº 2.932 de setembro de 2021, a qual homologou o prazo de extensão de outorga das usinas hidroelétricas participantes do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE.
Ou seja, a resolução, ao estender o prazo de concessão das usinas participante do MRE, estende o fluxo de caixa das usinas da Eletrobras consideradas no cálculo dos valores de outorga realizados pelo CNPE, o que impacta no valor adicionado (ou valor da outorga) invalidando o valor apresentado.
Manobra 2: Custo de Capital
O custo de capital, conceitualmente definido como retorno exigido pelos financiadores (seja por capital próprio ou de terceiros) de capital para a firma, e, portanto, a taxa mínima de atratividade que a firma deveria considerar em seus projetos de investimento.
O custo de capital é usualmente empregado em avaliações econômico-financeiras de ativos, empreendimentos ou projetos, baseado no método de fluxo de caixa descontado.
Nesse sentido, o custo de capital deve refletir o valor do dinheiro no tempo e os riscos e incertezas intrínsecos aos fluxos de caixa projetados. Logo, isto também passa pelo entendimento da natureza do fluxo de caixa e dos ativos geradores de caixa, uma vez que o cálculo do custo de capital deve considerar o risco do negócio em si.
Portanto, é essencial que para cálculo de cada ativo seja utilizado uma taxa de desconto única, dada suas especificidades e riscos associados.
Todavia, conforme resolução do CNPE supracitada, pode-se observar que foi utilizada uma única taxa de desconto para precificar todos os ativos que compõem o cálculo da operação de capitalização da Eletrobras.
Importante ressaltar que a Eletrobras opera em dois segmentos de negócio, geração e transmissão de energia, segmentos com características distintas e com diferentes riscos associados.
Essa simplificação é capaz de gerar distorções de grande magnitude nos resultados finais.
Como agravante, ainda resta a comparação do custo de capital proposto e divulgado pelo CNPE (7,31% – Anexo I) com o custo de capital regulatório (6,7596%: fonte Nota técnica 34/2021 SGT SEM/ANEEL) que apesar de ter outro propósito, pode ser, inicialmente, uma boa referência.
Esta diferença apresenta grande potencial de impacto no valor adicionado calculado, uma vez que os períodos considerados no fluxo de caixa são longos (30 anos).
Esta diferença pode gerar distorções no Valor Presente Líquido e na valoração dos ativos, podendo causar uma diferença de bilhões para os cofres públicos e para os acionistas da Eletrobras.
Manobra 3: Os preços utilizados
Pelo fato da Eletrobras ter concessões com contratos de venda de energia ou receitas permitidas de transmissão já assinados até depois de 2040 e 2050, é necessário fazer um fluxo de caixa descontado para precificar a companhia, utilizando estimativas de preços para energia e de receitas para transmissão.
Quando a privatização estava em votação no senado federal, após pressão dos senadores, no dia 11/06, já próximo a votação, o MME e a ANEEL produziram uma segunda cartilha sobre a privatização, denominada “Capitalização da Eletrobras”, na qual, no slide 7, coloca as premissas de 155 R$/MWh e 167 R$/MWh após 2031.
Para nossa surpresa, no dia 31 de Agosto de 2021, após a privatização ter sido chancelada pelo presidente Bolsonaro, o MME envia Ofício nº 350/2021/SE-MME para Eletrobras com a aprovação do CNPE do valor adicionado aos contratos, no qual consta os valores de preços de energia no valor de 233 R$/MWh de 2022/2025, 207 R$/MWh em 2026, 181 R$/MWh em 2027, chegando ao 155 R$/MWh de 2028 até 2051.
Todas estas informações estão na página 5 do Fato Relevante da Eletrobras, do dia 31 de Agosto de 2021, assinado pela diretora Elvira Cavalcanti Presta.
Abaixo a tabelinha do comparativo antes e depois da privatização
Os preços constantes na 2ª coluna da tabela acima foram os utilizados para o valor da outorga.
Nesse caso, fica claro que ou o MME enganou os senadores sobre os impactos tarifários ou o cálculo do valor de outorga deve ser refeito, com os valores informados anteriormente pelo MME.
Em todo caso, os indícios nos levam a crer que os preços adotados como premissas para a valoração da outorga, que diferem tanto das estimativas de mercado para preços futuros quanto dos valores informados pelo MME ao senado para o cálculo do impacto tarifário da privatização, foram manipulados para que o valor da outorga informado anteriormente não fosse alterado.
Isso significa que há um erro no cálculo da receita a ser obtida pela união no processo de privatização, provocando, mais uma vez, uma diferença de bilhões para os cofres públicos e para os acionistas da Eletrobras.
Considerações Finais
A sociedade precisa saber: ou o Parlamento aprovou a privatização da Eletrobras sem saber o valor dos ativos da empresa, pois esta informação só seria disponibilizada após a conclusão dos estudos do BNDES que sequer estavam contratados, ou as premissas foram manipuladas, causando prejuízo aos cofres públicos e para os acionistas da Eletrobras!
Essa pequena coleção dos grosseiros erros cometidos no cálculo dos valores das outorgas deixa isso claro.
É preciso explicar por qual razão a extensão das outorgas não afetou o valor total das concessões!
É um erro básico, primário! É preciso explicar que custo de capital é esse, que vale para todos os ativos e difere do valor interno calculado pela empresa e externo calculado pela Aneel!
E é preciso explicar que cálculo mágico é esse onde os preços futuros de energia são alterados e o valor da outorga também não se altera! Um absurdo maior que o outro!
Uma coleção de erros básicos, manipulações baratas com o claro intuito de seguir com o processo a qualquer custo! Um verdadeiro tratoraço!
As manipulações nos cálculos demonstradas acima ferem os artigos 70 e 71 da Constituição, pois constituem atos lesivos ao erário com uma renúncia exorbitante de receita pela União.
É urgente que TCU avalie as premissas econômico-financeiras adotadas no processo de valoração das outorgas para capitalização da Eletrobras e por isso esse artigo, exigindo que o TCU reveja os erros de cálculo no processo de determinação do valor da outorga, é divulgado pela AEEL na tentativa de evitar que o processo de privatização da Eletrobras tenha continuidade com mais esses erros, que podem ser classificados como atos de improbidade administrativa e lesão ao patrimônio público.
AEEL – Associação dos Empregados da Eletrobras
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